Entre todos os temas da filosofia, poucos são tão decisivos quanto Deus. Não apenas a sua existência, mas o próprio conceito de Deus ocupa o centro da reflexão filosófica desde os primórdios.
Neste capítulo, seguimos a abordagem de Roger Scruton no livro Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes e mergulhamos na questão de Deus, sua relação com o tempo, a religião e a própria estrutura da realidade.
Deus e Religião: São a mesma coisa?
Uma distinção fundamental precisa ser feita logo de início: Deus e religião não são sinônimos.
- É possível praticar uma religião sem necessariamente afirmar a existência de uma divindade pessoal (como ocorre em muitas tradições orientais).
- E é possível refletir filosoficamente sobre Deus mesmo sem vínculo com práticas religiosas formais.
Por isso, o problema de Deus ultrapassa tanto o campo da teologia quanto o campo da sociologia da religião. Ele atinge o próprio núcleo da filosofia: a investigação do ser, do sentido e do absoluto.
Ritual, Doutrina e o Papel Social da Religião
As religiões variam enormemente entre aquelas que enfatizam a doutrina e aquelas que enfatizam o ritual.
- As tradições monoteístas (como o cristianismo) tendem a desenvolver doutrinas complexas.
- Outras tradições, como budismo, confucionismo e xintoísmo, destacam o rito e a vida ética comunitária, deixando a metafísica em segundo plano.
Ainda assim, em todas elas, o ritual cumpre uma função antropológica decisiva: manter o ser humano conectado ao transcendente, preservando sua dignidade de sujeito diante da objetificação do mundo.
Tempo e Eternidade: Deus como o Ser Fora do Tempo
Ao discutir o tempo, Scruton aponta sua ligação direta com o problema de Deus.
Se tudo no universo está sujeito ao tempo — nascimento, mudança, morte — Deus, por definição, está fora do tempo. Ele é o eterno.
O desafio filosófico reside justamente em explicar como o eterno interage com o temporal: No cristianismo, o eterno intervém na história, criando e encarnando-se no tempo.
Em Aristóteles, o Motor Imóvel é alheio ao mundo mutável.
O Argumento da Contingência
Entre os argumentos para a existência de Deus, destaca-se o Argumento da Contingência (herdado de Tomás de Aquino):
Tudo no mundo poderia não existir.
Logo, deve existir um ser cuja existência não dependa de nada além de si mesmo — um Ser Necessário.
Este Ser é Deus.
O Argumento Ontológico
Outro argumento abordado é o Argumento Ontológico (formulado inicialmente por Anselmo):
Deus é o ser que reúne todas as perfeições.
Como a existência é uma perfeição, Deus necessariamente existe.
Este argumento, embora complexo e muitas vezes debatido, atravessou séculos de filosofia e ressurgiu em diferentes versões na modernidade, como na lógica modal desenvolvida por Alvin Plantinga.
O Diagnóstico de Nietzsche: A Morte de Deus
Nietzsche entra na discussão não para negar Deus como um simples ateu vulgar, mas como um agudo diagnosticador da cultura europeia.
Para ele, “Deus está morto” significa que o Ocidente perdeu sua metafísica, perdeu o seu centro absoluto.
Sem Deus, sobra o niilismo, o vazio moral e o colapso dos fundamentos.
Nietzsche anteviu o que muitos conservadores constatam hoje: o desmoronamento da cultura nasce da morte de Deus. Sem o absoluto, resta a cultura de morte — o niilismo civilizacional.
Deus como Resposta à Solidão Metafísica
Scruton propõe que sem Deus resta apenas a solidão metafísica.
A experiência religiosa não é só um “consolo”, mas uma forma de restaurar o sujeito no mundo:
“Com Deus, a subjetividade torna-se uma nova objetividade. Somos redimidos.”
A religião é, assim, o esforço humano por não sucumbir à condição de mero objeto natural, reconectando-nos à esfera do sentido e do transcendente.
Conclusão: Mais que a Existência, o Sentido de Deus
A questão de Deus não é um anexo da filosofia, mas o seu próprio núcleo.
Discutir Deus não é apenas discutir um ser superior, mas discutir o próprio sentido de existir, de conhecer e de fundamentar a realidade.
Sem Deus, tudo se reduz à matéria bruta. Com Deus, até a filosofia encontra o seu ponto de repouso.
Deus é uma hipótese intelectual ou uma necessidade existencial? A resposta a essa pergunta define não apenas a filosofia, mas o destino da civilização.
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