Skip to main content

“Penso, logo existo.” — René Descartes

Com essa frase, Descartes lançou as bases da filosofia moderna. Mas o impacto dessas palavras foi muito maior do que se imaginava: a partir desse momento, a filosofia passou a girar em torno do “eu” e da dúvida sobre o mundo exterior, conforme aponta Roger Scruton sobre os problemas da Filosofia Moderna.

A questão é simples: e se tudo ao redor for uma ilusão? E se você não puder ter certeza de que o mundo existe?

Esse dilema deu início a uma longa tradição filosófica que separou radicalmente o sujeito do objeto, dificultando nosso entendimento da realidade. Roger Scruton, um dos mais influentes filósofos contemporâneos, analisou esse problema e propôs caminhos para superá-lo.

Este artigo faz parte de uma série sobre a Filosofia segundo Roger Scruton.

O Nascimento da Grande Separação: Sujeito vs. Objeto

Antes da modernidade, filósofos como Aristóteles e Tomás de Aquino tratavam o conhecimento como algo que emergia naturalmente da relação entre o homem e o mundo. Não havia a ideia de uma divisão intransponível entre o sujeito que percebe e o objeto percebido — ambos formavam uma unidade.

Foi Descartes quem colocou essa separação no centro da filosofia. Seu raciocínio seguiu uma lógica implacável:

  1. Pode-se duvidar de tudo, até mesmo do mundo exterior e do próprio corpo.
  2. Mas não se pode duvidar da própria dúvida.
  3. Logo, a única certeza absoluta é o ato de pensar: “Penso, logo existo.”

Essa conclusão parece inofensiva à primeira vista, mas levou a um problema profundo. Se tudo que podemos afirmar com certeza é a existência do pensamento, como podemos provar que o mundo exterior é real? Como evitar a ideia de que vivemos em uma ilusão, como num sonho ou numa simulação?

Idealismo Alemão: O Mundo Como Construção da Mente

Essa dúvida não desapareceu. Pelo contrário, filósofos como Kant, Fichte e Hegel a levaram adiante, consolidando o que ficou conhecido como idealismo alemão.

Kant argumentava que nunca conseguimos conhecer o mundo “como ele realmente é” (a coisa em si), apenas nossa percepção dele. Em sua obra Crítica da Razão Pura, ele escreve:

“O entendimento não extrai suas leis da natureza, mas as dita a ela.”

Isso significa que nosso conhecimento não reflete necessariamente a realidade, mas sim as formas que nossa mente impõe sobre ela. A realidade objetiva, nesse sentido, se tornava quase inacessível.

Fichte e Hegel radicalizaram essa noção ao ponto de sugerirem que, em certo sentido, o mundo era uma construção da consciência humana. O pensamento passava a criar a realidade, e não o contrário.

Para Scruton, essa guinada na filosofia moderna foi um erro grave. O pensamento, ao se fechar em si mesmo, afastou-se do mundo real e abriu espaço para formas de relativismo que minaram a confiança no conhecimento objetivo.

A Solução de Scruton: A Linguagem Como Ponte Para a Realidade

Se o erro da filosofia moderna foi separar radicalmente o sujeito do objeto, qual seria a solução?

Scruton encontra uma resposta no pensamento de Ludwig Wittgenstein e na filosofia da linguagem. Para ele, a chave para superar esse problema é perceber que o conhecimento não acontece isoladamente dentro do indivíduo, mas dentro de um contexto social e linguístico.

Wittgenstein demonstrou que:

  • A linguagem é um fenômeno público, e não privado.
  • Se conseguimos nos comunicar uns com os outros, significa que compartilhamos uma realidade comum.
  • O mundo não pode ser apenas uma construção mental, pois interagimos com ele de forma objetiva.

Nas palavras do próprio Wittgenstein:

“Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo.”

Se a linguagem nos permite referir-nos ao mundo e estabelecer fatos objetivos, então a realidade não é apenas subjetiva — ela existe e é compartilhada.

Scruton vê esse argumento como uma resposta ao problema da filosofia moderna. A linguagem nos conecta ao mundo real, impedindo que fiquemos presos em um labirinto de dúvidas excessivas sobre a existência do mundo exterior.

O Que Isso Significa Para Nós Hoje?

A separação entre sujeito e objeto não é apenas uma questão acadêmica. A crise da verdade que vemos no mundo moderno tem suas raízes nessa tradição filosófica.

A ideia de que “o mundo é apenas uma construção da mente” levou a formas extremas de relativismo, nas quais qualquer certeza é vista como suspeita.

Scruton nos mostra que:

  • A realidade objetiva não pode ser descartada em favor do subjetivismo extremo.
  • A comunicação e a linguagem são provas da existência de um mundo compartilhado.
  • O conhecimento não é apenas um jogo mental — ele nos conecta com o próprio ser das coisas.

Com isso, ele nos convida a abandonar as armadilhas do idealismo extremo e a recuperar uma visão mais equilibrada da relação entre o pensamento e a realidade.

Conclusão: O Resgate da Filosofia

A grande crise da modernidade não foi a dúvida, mas a dificuldade em superá-la. Scruton propõe que a resposta não está em um retorno cego ao passado, mas na reconexão com a realidade de maneira concreta e inteligente.

Talvez não possamos responder definitivamente a todas as questões filosóficas, mas ignorar o mundo em favor de um subjetivismo absoluto apenas nos afasta da verdade e da experiência concreta da vida.

Como Scruton nos lembra:

“A verdade não é inventada por nós, mas é algo pelo qual devemos buscar.”

Ouça o podcast abaixo sobre o assunto

Links Úteis:

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.